Foto Rogério Reis – Exposição Na Lona – Rio de Janeiro, Brasil
Dentre tantas imagens que vi, que falam tantas coisas e representam das mais cômicas as mais profundas realidades ou não, encaixei meus pensamentos ao ver a fotografia acima. Rogério Reis, brasileiro, fotografou durante quatorze anos carnavalescos anônimos, para eternizá-los num fundo de lona.
Quatorze anos é muito tempo, e com certeza muitas coisas foram vistas, mas essa fotografia estática hoje, não é estática porque é vida e é vida, vivências, experiências o que eu tenho aprendido a fazer neste pequeno e tão veloz semestre.
E uma das vivências mais marcantes para mim, foi a experiência da cultura corporal do movimento. Mauss (1974) juntamente com Daolio (1995) me fez compreender a importância da antropologia na educação física. Quando falamos em educação física, falamos de gente, gente essa que é um todo, e a antropologia é o estudo do homem, mas que vai além disso, propondo ao cientista a experimentação. O menino da foto assim como eu, se vestiu de palhaço, por motivos e em tempos diferentes, mas utilizamos da experimentação da mascarada. A personificação temporária, a entrada em um jogo que descaracteriza seus padrões sociais, é a quebra de valores, e a quebra comportamental que me levou em pouco mais de duas horas de experiência a sensações nunca vividas. Daolio (1995, p.39-40) “O homem, por meio do seu corpo, vai assimilando e se apropriando dos valores, normas e costumes sociais num processo de inCORPOração (a palavra e significativa). Diz-se corretamente que um indivíduo incorpora algum novo comportamento ao conjunto de seus atos ou uma nova palavra ao seu repertório cognitivo. Mais do que um aprendizado intelectual, o indivíduo adquiri um conteúdo cultural. Em outros termos, o homem aprende a cultura por meio do seu corpo”.
Dizer o que os personagens da foto viveram naquele dia de carnaval não cabe a mim, até porque são personagens anônimos, mas compreendo que perceber como nosso corpo reagiu nas mais distintas vivências, é entender que o corpo está dentro de um mundo interligado, não mecânico (Prigogine, 1991), não físico, mas de um corpo tão complexo, que está dentro de uma sociedade, que está dentro de uma cultura e que está dentro de um mundo composto por diversidades.
Freire (1991, p. 53) “...Existe uma tendência para esquecer que o conjunto da ciência esta ligado a cultura humana em geral, e que as descobertas científicas mesmo as que num dado momento parecem as mais avançadas, esotéricas e difíceis de compreender, são despidas de significação fora do seu contexto cultural.” . Entender o porque das experiências, é entender o porque da educação física. Sair do estático e movimentar-se é o que precisamos compreender como forma de estudo e aprendizagem. Tudo o que Viviane Mosé fala no programa Café folosófico, e tudo que aprendemos de experiências corresponde ao que o Daolio (2005) fala em "formar-em-ação", que é a formação verdadeira de um indíviduo e que não se limita a quatro paredes, mas que se estende para uma vida, pois é nesse contexto que buscamos sair apenas do procedimental, mas adentramos no conceitual para ter o entendimento e mobilizamos o atitudinal, trazendo transformação e quebrando paradigmas (Darido, 2007).
Na foto, apesar de não haver movimento corporal de dança, sabe-se que por ser um momento de carnaval, de lazer, já que "o ócio é uma arte" (De Masi, 2000, p.316) a dança faz parte do contexto dessa festividade. A dança é sólida dentro da educação física, mas dança vai muito além dessas linhas, já que é a representação das culturas, é o movimento de todo seu ser, sendo expresso através do corpo da maneira que for, com ritmos mais precisos dentro de coreografias, ou na livre e lúdica expressão de colocar para fora o que se sente e o que se pode (como o grupo de deficientes mentais do projeto sentir - documentário) pois como diz Bogéa (2007, p.54) “O corpo se comunica por movimentos, sons e palavras, que expressam um saber”.
A dança está implicitamente presente nesta fotografia, assim como a luta, mas não uma luta de movimentos com socos ou chutes. Somos um povo com tantas distinções salientada também de forma econômica, mas que permite em um momento lúdico a guerra pelos mesmos direitos, o direito de festejar, de se entregar com o corpo para um momento de ludicidade. No carnaval, esses personagens terão um tempo e um espaço definido, passaram por um ritual -como a caracterização-, lutaram durante toda uma preparação e lutarão no momento do desfile, do qual armas surpresas podem aparecer, do qual a imprevisibilidade pode ajudar. A vontade e a liberdade está presente, mas a tensão também. A festa é bela, e no caso de alguns exemplos de festividades a luta entre blocos podem existir, mas num carnaval não midiático, a luta da simples permissão para o uso de um mesmo espaço de um carnaval esteriotipado também está presente (Huizinga, 2004). A luta, o jogo, o lúdico estão presente implicitamente nessa foto, seja como um jogo de guerra, seja como um jogo lúdico da vida, assim como diz Huizinga (2004, p. 13) " O jogo lança sobre nós um feitiço: é "fascinante", "cativante". Esta cheio de duas qualidades mais nobres que somos capazes de ver nas coisas: o ritmo e a harmonia". A luta e o desejo de vencer está cravado no ser humano, não importando se é uma simples brincadeira como um jogo de damas, xadrez, se é dentro de um esporte olímpico de alto rendimento, se é na luta entre tribos indígenas, ou no direito de se sentir incluso em uma sociedade que é marcada pelas divisões e descriminação, por isso cabe também aos professores, sejam de educação física ou não, fazerem o papél de integração, assim como os professores personagens dos filmes " Entre os Muros da escola", "Escritores da Liberdade" e "Vem dançar" que utilizam da ferramenta de aproximação e interação com e dos alunos para transformar suas vidas. Essas características fazem parte também de um tipo de jogo: o cooperativo. Os jogos cooperativos tem algumas intenções como diz Brotto (2002, p.40) “Ética Cooperativa: con-tato, respeito mútuo, confiança, liberdade, re-creação, diálogo, paz-ciência, entusiasmo e continuidade" . E esse trabalho dos jogos cooperativos, leva para a vida a compreensão da cooperatividade e principalmente da não exclusão, fator que aparece também implicitamente na fotografia de Rogério Reis da qual ao utilizar pessoas anônimas, provavelmente desfavorecidos economicamente (previsão da qual eu posso estar errada, já que desconheco a origem da fotografia) tem o prazer de interagir, já que o carnaval e o desejo de fazer parte dessa festividade é livre, e convida a todos, e o fotógrafo se vale de alguns em meio a uma multidão, tornando-os protagonistas.
A fotografia também me leva a uma outra percepção: a improvisação. Apesar da imagem ser preto e branco e não mostrar a mulher de forma inteira, a impressão que tenho é que as roupas não são fantasias profissionais, mas talvés improvisadas, talvés costuradas pela própria mulher, de forma simples, mas que mostra claramente seu significado. A arte de fazer as roupas, de improvisar, também é presente na educação física, já que é necessário criatividade a todo momento, seja para saber constituir uma aula recreativa que se adequa as necessidades de cada aluno (Queiroz, 1998), seja para adequar nos materiais como nas aula de skate, le parkour, ou até mesmo na criatividade da maravilhosa forma de introduzir a ginástica na vida das pessoas quebrando todos os conceitos e pré-conceitos que se tenha sobre o assunto. A improvisação e a criatividade são particularidades exclusivas do ser humano, assim como diz Mello (2003, p. 29) “Mesmo numa época tão automatizada, a máquina não consegue realizar coisas que são especificamente humanas – o brincar, o simular, o divertir-se, o fantasiar; quando essas particularidades desaparecem, o homem perde marcas fundamentais de sua singularidade”. E com certeza, essa foto, também desperta através da criança, que vestido de forma tão bela e graciosa e que provavelmente nem compreendia a festividade do carnaval, a vontade de brincar, de ser criança, como fizemos nas brincadeiras infantis (Pieter Brughel) e também em muitos momentos na visitação a exposição do Hélio Oiticica, do qual interagíamos com as obras que nos levava ao ludicismo intenso, fazendo-nos sair de nós mesmos e trascender para um momento que nos remetia para um passado, porém hoje.
Essa fotografia tão peculiar mas ao mesmo tempo tão comum, já que é nossa cara, nosso povo, me leva a tentar vê-la como é, mas isso é impossível já que tudo o que posso fazer vendo-a assim, estampada como uma fotografia é tentar deduzir, ou supor a respeito desses personagens que agora eu os conheço, mas o que posso garantir é que por traz dessa imagem existe a verdade da vida dessas pessoas que por algum momento, em algum dia, passaram pelas lente desse fotógrafo.
Acredito também que mais importante talvez do que conhecer esses personagens é conseguir transpor dentro dos mais diversos assuntos, características da educação física, já que hoje e cada vez mais tenho a convicção e o respaldo de que educação física não se limita ao corpo físico, ao esporte, a luta ou a qualquer coisa que a caracterize, mas que educação física é corpo todo, e corpo todo é vida.
Bibliografia:
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia, E.P.U, EDUSP, São Paulo, 1974, vol. 1.
DAOLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. Editora: Papirus, Campinas, 1995, 108 p.
FREIRE, João B. - De corpo e alma: O discurso da motricidade. Editora: Summus, São Paulo, 1991, 3º ed.DARIDO, Suraya C. - Para ensinar educação física: Possibilidade de intervenção na escola. Editora: Papirus, Campinas, 2007, p.341.
PRIGOGINE, Ilya e STENGÉRS Isabelle. A nova aliança: metamorfose da ciência. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1991. STEVEN, J., Interface Culture.
BOGÉA, Inês. Um Início do que virá - IN: BERTAZZO, Ivaldo. Espaço e corpo guia de reeducação do movimento, SESCSP, São Paulo, 2007, 235 p.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura. Editora: Perspectiva, São Paulo, 2004, 5º ed. 256 p.
BROTTO, Fábio O. - Jogos cooperativos: O jogo e o esporte como um exercício de convivência. Santos: Projeto Cooperação, São Paulo, 2002.
QUEIROZ, Claudia Alexandre. Recreação Aquática. Editora: Sprint, Rio de Janeiro, 2000.
MELLO, Miriam M. de. O lúdico e o processo de humanização – IN: MARCELLINO, Nelson C. Lúdico, educação e educação física, editora: Unijuí, Ijuí, 2003, 2º ed., 230 p.
BRUEGHEL, Pieter - Obra: Jogos Infantis, 1560.
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