Hoje percebo como a vida tem passado sem que eu conheça nada dela. Sujeitar-me a fazer atividades que eu jamais faria se não estivesse nesse curso, me fez refletir e entender que não precisamos levar a vida de forma quadrada, mas compreender que as oportunidades do novo estão a nossa frente...é só querer!
A proposta das vivências, me fez viver algo novo, inusitado e extremamente prazeroso: Fomos as ruas vestidos de palhaços para divertir e quebrar a rotina de todos que circulavam pela avenida naquela noite.
Individualmente acredito que cada um de nós teve percepções e sentimentos diversos e distintos. Uns naturalmente são mais tímidos e sentiram-se mais retraídos com a caracterização, outros como se fosse algo rotineiro, incorporaram o personagem e se jogaram para as ruas. Coletivamente acredito que apesar dos temores, da tensão e até da vergonha inicial, a diversão foi incomparável. Confesso que foi um momento do qual me diverti como criança e senti um prazer inigualável ao ver os sorrisos, o interesse ou uma simples buzinada como forma de reconhecimento daquele simples e amador trabalho de marinheiros de primenira viagem que improvisaram a todo momento para trazer alegria e ludicidade (Huizinha, J. - Homo Ludens) há um dia comum de trabalho.
Mais incrível ainda, foi compreender um pouco dessa relação corporal com os estudos, de forma clara. Primeiramente quiz compreender o porque da relação da nossa vivência corporal com a antopologia. Antropologia é o estudo do homem, mas não é só isso, já que em meados dos século XIX a antropologia deixa de ser um estudo formal, mas propõe aos antropólogos vivenciar, experimentar aquilo que se estudava do homem. Além disso a antropologia estuda o modo de vida, de forma a não julgar as diversidades culturais no sentido de melhor ou pior, mas perceber que a cultura provém da vida, das tradições e que também demonstramos toda essa diversidade cultural através dos nossos corpos que traduzem o que somos. (François Laplantine, 1988 - Livro: Da cultura do corpo - J. Daolio - 2005).
Mauss, também traduziu algumas percepções que tive da nossa experiência. No capítulo "Uma categoria do espírito humano: A noção de pessoa, a nossão do "eu", ele descreve a idéia primitiva da identificação do homem de si mesmo, e uma das formas eram as mascaradas, o personagem. Mauss nos fala de diversos povos com essa prática, que encarnavam ou reencarnavam ancestrais e se personificavam revelando outros seres. Nós quando nos vestimos, nos pintamos, nos mascaramos deixamos momentâneamente (assim como na Austrália - Máscaras temporárias) de sermos nós. Encarnamos personagem, e fizemos coisas que talvés jamais faríamos tendo a nossa postura de nós perante nossa sociedade. O uso da máscara nos leva a incrível dimensão -principalmente nesse caso, palhaços- de nos ridicularizar. A nossa sociedade não permite tais posturas e atitudes corporais no dia-a-dia, mas a mascarada nos remete ao ápice da quebra do paradigma imposto e nos permite utilizar do rídico para atingir o sucesso na personificação. Assim como no exemplo do Mauss, somos indivíduos com pápeis para figurar e juntos atingimos o objetivo do "clã".
Já no capítulo "As técnicas do corpo", relacionei fatos da nossa vivência que foi uma percepção minha de observação ao que fizemos naquela noite, de como nós e as pessoas reagiam através de seus corpos aos fatos. Mauss afirma que cada sociedade tem suas características próprias e sem dúvida o Brasil tem enraízado na sua cultura a receptividade a coisas alegres. De forma geral, na análise feita, em pouco mais de duas horas de atividades, a maioria das pessoas contribuíram de alguma forma: discretamente através de buzinas nos automóveis, de forma mais distante, ou até interagindo junto e dançando com nós na rua, mostrando tamanha vontade em participar daquele momento.
Mauss também coloca a divisão das técnicas corporais entre os sexos, e observei algo latente em nossa vivência que aconteceu naturalmente. A nossa caracterização aconteceu ali na hora. Todos os integrantes levaram objetos que poderíamos usar, e naturalmente por uma questão social de feminilidade e masculinidade, sem perceber nós meninas nos apossamos dos objetos mais femininos e eles dos mais másculos. Apesar da caracterização e da ridicularização, a idéia de preservar nossa beleza sexual apareceu automaticamente e não nos fez quebrar os paradgimas e inverter os pápeis para atingir talvés uma personificação mais cômica. Além disso, houve momentos de participações e pessoas extra grupo, que no caso foram mulheres, e foi nítido perceber através dos corpos dos meninos que quando haviam essas aproximações por mais que os meninos estivessem dedicados ao trabalho, o desejo da "conquista" indireta falava mais alto, os deixando temporariamente menos envolvido a atividade e principalmente buscando a diminuição do rídiculo e a aproximação com seu eu do cotidiano. Essa observação, provavelmente também valeria para nós meninas, se tivessem sido rapazes ao se aproximar, e isso mostra que na nossa cultura brasileira da qual a conquista é algo tão aberto, diferentemente de outras culturas, nossos corpos se modificam a todo momento de acordo com a situação e explicitando a cultura embutida em nossos corpos.
Mauss também fala das técnicas do corpo de rendimento, do adestramento, da habilidade e adaptação aos movimentos coordenados assim como máquinas. Em todo momento da vivência, apenas um integrante do grupo se dispôs automaticamente a se jogar no chão em diversos momentos, e isso acontece devido ao fato de ele ter um corpo adestrado. Por ser lutador de tae-kwondo, têm toda uma técnica corporal de mais elasticidade e conhecimento, devido ao treinamento, de como saber cair, se jogar, e naturalmente fez isso diversas vezes como a representação de uma cultura corporal individual, enquanto eu e os outros, limitavam-nos a aquilo que nossa memória corporal nos permitia, sendo um pouco mais contidos nos movimentos.
Essa experiência trouxe novas percepções para nossos corpos e uma memória que não se pagará, mas muitas outras vivências foram feitas na classe, e com certeza todas elas berram a nova compreensão e percepção que temos aprendido sobre corpo. Comer comida estranha, ser um cadeirante, dançar com parangolés, vivenciar o mundo circense, entender a vida de um morador de rua, conhecer mais sobre os imigrantes...todas essas foram novas experiências vivenciadas.
Além de tudo isso, essa semana também tive a oportunidade de andar de skate, na iniciação a esportes radicais. Foi algo novo, já que eu nunca havia feito. Experiência que trouxe medo inicialmente, mas prazer logo depois, já que o corpo foi se adaptando e incorporando a adrenalina, trazendo prazer e a troca de experiências, já que algumas pessoas já possuiam as técnicas de como trabalhar com seu corpo para utilizar do skate e compartilhou isso, o que me ajudou a perceber que o corpo se adequa aos instrumentos e busca sempre o objetivo, inclusive para que o próprio corpo não sofra as consequências.
Todas essas experiências que nos tem sido propiciadas e que estamos aproveitando para conhecer, mostra-me que a forma antropológica da experimentação traz uma nova concepção de vida e principalmente de estudo. Como escreve Daolio, é a idéia do "formar-em-ação" e que me remete a junção de tudo que tenho aprendido desde o início de ano compreendendo que a educação física tem que ser "plural", ativa, irreversível, contemporânea. A ciência quântica, quebra a visão cartesiana do homem máquina, fragmentado e a educação antropológica, mostra um corpo livre, inteiro, disposto a entrar em ação desde que a proposta da educação seja quebrar paradigmas e proporcionar o desejo de aprender, da sabedoria e não de jaulas com lousas, cadeiras e cópias...cópias que é repetição e não ação.
Bibliografia:
MAUSS, Marcel - Sociologia e Antropologia. E.P.U, edusp, São Paulo, 1974 - 1º edição.
DAOLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. Editora: Papirus, Campinas, 1995, 108 p.